quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O amor - Vladimir Maiakóvski 

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Le coup de Soleil

um pequeno verso de Cocciante:

Mais tu n'es pas là,
et si je rêve, tant pis
Quand tu t'en vas
je dors plus la nuit
Mais tu n'es pas là,
et tu sais, j'ai envie
D'aller là-bas,
la fenêtre en face
et de visiter ton paradis.

Je mets tes photos
dans mes chansons
Et des voiliers dans ma maison
J'voulais me tirer,
mais je me tire plus
Je vis à l'envers, j'aime plus ma rue,
J'avais cent ans, je me reconnais plus
J'aime plus les gens depuis que je t'ai vue
J'veux plus rêver, j'voudrais qu'tu viennes
Me faire voler, me faire je t'aime...

quarta-feira, 28 de maio de 2014

As pequenas vitórias


Comemora tuas pequenas vitórias

O papel no cesto,
Cara ou coroa,
A bola no ângulo

Comemora

Despreza as grandes viradas
O imperador deposto
O homem em Marte
A cura da morte

Despreza

Tuas pequenas vitórias
breves alegrias
um sabor de fruta
de calda de açúcar

Comemora

As grandes viradas
O poeta morto
O mistério frustrado
A eterna agonia

Despreza

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A composição que Caetano me roubou*



 - Roubou. Roubou, roubou, roubou. Michele não me disse naquele momento, mas ela pensou que eu falava de um robô. Só quando viu a televisão que eu estava a ponto de destruir a golpes de controle remoto, percebeu que as acusações repentinas estavam dirigidas a um senhor grisalho, magro, de óculos, respeitável pela figura senão pelo ritmado rebolado e o umbigo ensaiando aparecer sob o agasalho quando o cantor erguia os braços e tremelicava os beiços. O ladrão, o meliante, o réu sumariamente acusado era Caetano Veloso.
– Ele roubou. Eu não me lembrava mas agora eu lembrei. Nunca que ele escreveria isso, olhe a cara dele! Agora que eu me lembrei! Eu que mostrei isso pra ele em 68, eu! Ele estava lá, todo jururu mocozado, os cabelos parecendo um pesqueiro de carapicú, eu fui lá e mostrei pra ele. Ele tava todo Triste Bahia, eu fui lá, agora olhe bem a cara dessa múmia!
 – Ótimo, muito bom, Michele me disse incrédula. Só que o senhor doutor nasceu em 68 foi? Ou foi antes?
– 84, eu nasci em 84, mas 68 foi no Amazonas, eu tive vida antes de lhe conhecer e a senhora sabe. Ligue aí agora é para o seu advogado, ao invés de ficar aí advogado de santamarense. Assim você vai é longe. E pegue ali aquela Playboy de Gal Costa que eu vou lhe mostrar se ele não me roubou.
– Só se for agora, porque aí eu aproveito o advogado e o divórcio é na hora. Michele definitivamente não se interessa por disputas autorais.
– Pois pegue e veja aí na entrevista, ele mesmo conta. Foi no dia do chá.
Revoltado, transtornado e visivelmente contestado em minha própria casa, diante da televisão que impávida transmitia para os lares do Brasil a apropriação da minha composição, eu é quem fui atrás da entrevista em que o larápio narra o dia em que tomou o chá do Daime no Rio de Janeiro e me recebeu em Londres em 68 para ouvir, decorar e tantos anos depois gravar como se sua fosse a minha canção.
- Aqui ó: “Vi pessoas, não importava o tempo. Dedé estava se vendo em outro lugar. Fechei os olhos e as pessoas que eu via eram mais reais que o tapete de náilon. Gil falava em morrer e Sandra entrava e saia com olhos de índia. Indianos faziam uma suruba. Eu estava louco”. A vitória. – Viu? Roubou sim. Roubou, roubou, roubou.
– Que ele é chegado eu nunca duvidei, disse Michele, a incrédula - Agora aonde é que entra uma música que você fez é que eu não vejo aí, nem pra Kakay ouvir isso
– Na moral véi, protestei. – Pegue o carro aí e vá pra Santo Amaro mandar os malditos embora que você está se perdendo aqui. É óbvio, você quer que ele fique desmoralizado no Procure Saber? Vai dizer pra Jô Soares que me encontrou na conexão desse chá? Agora ir lá e gravar a música é que ele soube bem. Eu vou lhe mostrar agora, você vai ver e vai me pedir é desculpas pela sua falta de fé. – Aqui ó, disse eu, rabiscando o que eu me lembrava tão bem de ter transmitido ao infiel e passando o papel para minha adversária interlocutora, enfim podendo desabafar a minha vitória:
Uma menina negra
Em seu vestido amarelo
Lá o mar, as ondas
Como anda
E eu olhando
A melhor coisa do mundo
Era esse vestido
Na minha vida
Querida
– Tomou agora? E aí agora? Eu não quero nem dinheiro, ele vai ter é que se desculpar em rede nacional, na-ci-o-na-ú. Quero ver ele Black block aí falando de Daime, ou não, peguei, ou não, veio assim, ou não, gravei, ou não, como é Gil, me desclassifique.
– Mas você escreveu isso aí agora, e ele está cantando Uma menina preta de biquíni amarelo, na frente da onda, que bunda, que bunda .Você mesmo já tinha me falado dessa música horrível. E faz uns anos.
– Pois é, é o que eu estou lhe dizendo. Olhe a cara desse rapaz, veja se isso tem condições de ter escrito bunda de biquíni amerelo? Minha versão é muito melhor, e eu não falei bunda pra não lhe envergonhar. Ladrão descarado. A vida é assim, a pessoa não está em paz nem em pensamento, porque pode vir um doido aí viajando no espaço-tempo e roubar sua ideia no ar.
– Que dia essa greve acaba mesmo? Perguntou Michele, sempre com a última palavra.

*Essa é uma obra de ficção. Todos os personagens e fatos narrados são de livre criação do autor, não retratando pessoas nem acontecimentos reais. Procure saber.

sábado, 10 de maio de 2014

essa noite vi chover

Eu vi entre muitos pés suas sandálias azuis. Era um sonho. Entre sapatos de couro, sandálias azul-turquesa, e eu, sozinho entre tantos passos, procurei segui-las. Havia tanta gente como num filme, e eu soube que sendo um sonho como um filme, eu terminaria por alcançá-las. A minha busca vinha de uma solidão profunda, eu não estava sorrindo. Não, estava triste. Num novo relance, outra vez o azul e as suas sandálias, mas agora tantos passos em tantas direções opostas, eu achei ter te perdido de vez. Quando parei de olhar o chão, você estava à minha frente, quase tão triste quanto eu, só por reconhecer o desespero da minha solidão. - Saio na rua um instante e encontro você fincado no chão do Recife. "Parce que tout ce qu'on veut c'est respirer tranquille". Tudo que a gente quer é respirar tranquila. Foi o cartaz que me veio com aquele abraço na cidade do sonho.

Jorge Mautner

Como vai você, nesse dia azul...
Não vou sem me responder!
Guzzy, guzzy muzzy, hey you!
Será que assim falam, os índios do xingu
Não vou sem me responder!
Guzzy, guzzy muzzy, hey you!
Será que não ia bem, consultar o doutor Artur
Não vou sem me responder!
Guzzy, guzzy muzzy, hey you!
Será que você tomou cachaça com chuchu
Não vou sem me responder!
Guzzy, guzzy muzzy, hey you!

Guzzy quer dizer que eu te amo
Muzzy quer dizer que eu te adoro
E "hey you" é "ei você", "ei você"...
É "ei você", "ei você", é "ei você"
É ei você aí mesmo no meio dessa multidão...

segunda-feira, 17 de março de 2014

Castro Alves na Malásia

Donde vem? onde vai?  Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam, 
Galopam, voam, mas não deixam traço. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Carnavalar

Dançarei
constrangedoramente

Farei  promessas

Cantarei
hinos mirabulosos
de muçulmanos sedentos
escravos libertos
bebês famintos


Requebrarei

Serei baiano,
praieiro
até solteiro

Que querer mais?

Nem que seja a última odisséia terrestre,
Carnavalarei

São seis dias
São seis noites
Muitos sonhos

Muita dor

Anestesia
De Ondina
Ao Farol

Nostalgia
nas mãos do Poeta

O artista caduco
O trio estridente
A cidade opressora
Suplantarei

O intelecto
O mentecapto
O vigilante
vencerei

Quando brilhar a estrela
Com  minha pequena
simplesmente
carnavalarei


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Japão

Se eu digo lago
e digo lagoa
e digo represa

em minha mente vêm somar-se paisagens imaginárias
se é um lago
peixes enormes, bolhas marrons, areia fina e a minha infância,
se uma lagoa
banhos dominicais
se é represa

Se digo Japão
Se digo Japan
Se digo Japon

Quantos mundos
A quantos falo
sobre o que não vi

domingo, 19 de janeiro de 2014

O Japão

Quando eu digo Japão
Assim Japão
é algo tecnológico
algo ultra novo
que ainda será
mas já está lá

Não são 127 milhões de japoneses idênticos
nem 377 mil quilômetros quadrados
nem lendas de samurais
nem o Sol nascente

Não são os navios de Pearl Harbor
Nem os kamikazes
Nem o motor Honda

Sou eu
O policial de aço Jiban
Os programas da tv manchete
Sou eu
tudo que eu digo

sábado, 11 de janeiro de 2014

O Japão

Quando eu digo Japão
É longe como a distância
enorme
entre seus olhos
e meus olhos

Se eu digo Ranelagh
É doce como a risada de Sylvie
e a voz de Anna
Paris
É logo ali




quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Pode, Waldir?

A respeito da covardia de Gilberto Gil frente ao Teatro Nu e a crônica de Cláudio Marques sobre o cancelamento do reveillon de Neto:

Caro Cláudio,

Quero registrar aqui minha estupefação quanto às reações motivadas pelo seu brilhante texto. Que o Bocãonews, cuja estratégia se baseia em adiantar boatos que nem sempre se convertem em notícias, que o portal Metro1 (recém associado ao rapaz por trás do bocão) e que a população que confunde literatura com jornalismo se levantem em defesa do seu programa ou do seu negócio de fim de ano, vá lá. Que a minha colega de escola sumida desde a quinta série, hoje produtora de eventos, defenda seu quinhão, vá lá. Eles são os interessados na manutenção do negócio. Até Flora, no seu papel de produtora. Mas Gil? Gilberto Passos Gil Moreira? O rapaz do pra prefeito não e pra vereador pode Waldir? O homem pra quem o segurança pediu o crachá? O homem que beija outro homem qualquer diante de seu pai? que anda querendo o pulo certo o encanto o porte esperto, delgado do veado? Qual homem, o Ministro da Cultura? O poeta da lata? Qual é, baiano?

Acho ótimo que Gil tenha assinado a carta que o advogado escreveu para a assessoria dele. Tomara que tenha sido Kakay. Estávamos aqui de povo e GG chegou de Rei. Bravo, Teatro Nu!