domingo, 13 de fevereiro de 2011

o discurso de formatura (que nunca é falado)

Aos formandos de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, turma de 2010.2.

Meus queridos,

Em 2004, quando me tornei funcionário da UFBA, alguns de vocês ainda estavam suando sobre apostilas de terceiro ano sonhando com o vestibular, outros eram calouros numa universidade tumultuada por uma greve de seis meses e lá vai. Naquele tempo em que não havia nem matrícula, nem impressão de comprovante e nem conferência de histórico pela internet, ir até o colegiado e fazer trezentas listas e pedidos era uma constante. Em pouco tempo fiquei responsável por dizer aos 120 calouros, um por um, onde ficava a sala do ateliê, como fazer pra cadastrar o smart-card, quem era o tal do Chango, enfim.

Lembro bem que uma das minhas primeiras ações foi "proibir" as procurações com as quais os alunos presenteavam as mamães e viajavam para as festas de são joão e férias de verão. Se algum de vocês foi matriculado numa disciplina que terminava às nove da noite em são lázaro, peço desculpas agora.

Lembro também que passei a utilizar, ainda que informalmente, o orkut como canal pra esclarecer e informar sobre o que se passava na universidade. Desde então, não há lugar do mundo em que eu possa me esconder, mas, diante do que vi do meu lugar na mesa solene esta noite, diante do que vocês fizeram a partir de informações simples que eu tinha, não me arrependo.

Digo isto pensando que o meu trabalho é quase sempre muito simples. Basta dizer que de um diploma para outro o que muda é o nome do aluno. Todo o trabalho para que um nome possa estar escrito ali não vem de mim, nem de outro funcionário, nem do mais ilustre e experiente professor. Vem do aluno.

Em outros momentos, o trabalho consiste em não atrapalhar. Não deixar que as notas atrasadas, que o "sistema" esquizofrênico ou que a burocracia doentia se tornem obstáculos entre vocês e aquilo que lhes é garantido por lei e por merecimento.

Em alguns anos, quem sabe, toda a documentação e a maior parte dos serviços necessários para que alguém conclua um curso superior passe a ser feita por um computador. Talvez as bibliotecas sejam equipadas com estantes inteligentes, capazes de fazer pesquisas e indicar livros baseando-se em palavras chave, assuntos ou "algoritmos padrões". Desde já, eu procuro pensar que tudo o que um cérebro eletrônico puder fazer, somado, é igual ao mínimo minimorum que eu devo fazer. Nem sempre consigo, nem sempre é possível. Mas a consciência disso existe.

Sendo assim, tenho que dizer que o grande trabalho, os 99,999% do trabalho feito por vocês alunos é que merece uma justa homenagem. Conquistaram respeito estagiando em pequenos e grandes escritórios e empresas, conquistaram respeito e aprovação de professores competentes, conquistaram outros pasíses participando de programas de intercâmbio, conquistaram o tfg, o diploma, o direito de viver do suor do próprio trabalho. O direito de mudar o mundo, ou pequenas partes deles. Parabéns. Parabéns porque venceram, porque lutaram. Porque conquistaram também uma nova consciência da vida em sociedade.

Vocês juraram "jamais atentar contra a dignidade da pessoa humana", e nada mais indigno do que as condições de moradia da maior parte da população da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país, do mundo subdesenvolvido. Eis o desafio. Que a vida lhes dê condições de resistir e de enfrentá-lo.

Esta foi a maior turma de formandos em Arquitetura que eu já vi, e talvez a maior em muitos e muitos anos. Será difícil encontrar a faufba sem quarenta e tantos alunos com quem convivi. Agradeço muito a vocês a oportunidade de me despedir de cada um em traje de gala e com o coração cheio de amor.

Obrigado por tudo, sucesso e disposição.
Até breve,

Pedro Laurentino

3 comentários:

  1. Ohhhh Pedrinho... até eu aviadei depois dessa :)

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  2. Rá! eu disse que tinha troco, dona moça! :D

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  3. Ow, que lindo!!!

    Estou pensando muito naquilo que você me falou quando entrei na Ufba...

    Sábias palavras, Pedrinho!!!


    Bj

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