Todos gostavam de Pedro E mais do que todas Rosinha de Chica A mais bonitinha E mais bem feitinha De todas mocinha lá do arraiá
Pedro saiu no seu barco Seis horas da tarde Passou toda a noite Não veio na hora do sol raiá Deram com o corpo de Pedro Jogado na praia Roído de peixe Sem barco sem nada Num canto bem longe lá do arraiá
Pobre Rosinha de Chica Que era bonita Agora parece Que endoideceu Vive na beira da praia Olhando pras ondas Andando rondando Dizendo baixinho Morreu, morreu, morreu, oh...
Bem, é assim que está por aí a música da madrasta que eu tentei lembrar na aula, falando de minha avó querida. Quem disse que eu lembro assim?
a minha música é: (o carpinteiro corta os galhos da figueira!)
Carpinteiro do meu pai Não me corte meus cabelos minha mãe me penteava o meu pai me enfeitava a madrasta me enterrou por um figo da figueira que o passarinho bicou...
[não tem xô nenhum, xô é do sabiá, lá vem a chuva, em beira mar, vai ver teu ninho pra não molhar - xô sabiá]
Muda a métrica da melodia, mas a idéia é a mesma... tem um pouco mais de participação paterna, mas talvez fosse vovó me enfeitava, aí eu não lembro bem, o importante é os dois versos em ava, ascendentes, e depois o descendente enterrou, breve pausa, o figo etc. e o fantástico causo da gravidez fingida que a madrasta usara para conquistar o pai, difarsando a barriga em lençóis. Quando o pai descobre a filha, descobre junto a barriga, começa a puxar os lençóis e a madrasta vai embora puxando lençóis que nunca acabam, terminando louca. Segundo minha avó, todo o enxoval da casa era dos lençóis que a louca deixou na rua (principalmente o que eu estivesse enrolado).
E eis que às 06:30 da manhã, vindo pra cá e lembrando Joaquim Nabuco:
Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!...
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!...
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...
Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Que a brisa do Brasil beija e balança... Que a brisa do Brasil beija e balança,
Este vai ser um post longo. 1) para Chico Buarque Letra e Música - 1989
Carta ao Chico Chico Buarque meu herói nacional Chico Buarque gênio da raça Chico Buarque salvação do Brasil
A lealdade, a generosidade, a coragem. Chico carrega grandes cruzes, sua estrada é uma subida pedregosa. Seu desenho é prisco, atlético, ágil, bailarino. Let´s dance! Eterno, simples, sofisticado, criador de melodias bruscas, nítidas, onde a Vida e a Morte estão sempre presentes, o Dia e a Noite, o Homem e a Mulher, Tristeza e Alegria, o modo menor e o modo maior, onde o admirável intérprete revela o grande compositor, o sambista, o melo inventivo, o criador, o grande artista, o poeta maior, Francisco Buarque de Hollanda, o jogador de futebol, o defensor dos desvalidos, dos desatinados, das crianças que só comem luz, que mexe com os prepotentes, que discute com Deus e mora no coração do povo. Chico Buarque Rosa do Povo, seresteiro poeta e cantor que aborrece os tiranos e alegra a tantos, tantos... Chico Buarque Alegria do Povo, até seu foxtrote é brasileiro. Zonoi Norte, Malandragem, Noel Rosa, Sivuca, Neruda, Futebol, tudo canta na tua inesgotável Lyra, tudo canto no martelo. Bom Tempo, Bota água no feijão, Pra ver a banda passar, Vem comer, vem jantar, menino Jesus, dia das mães, vou abrir a porta. Deus; Pai, afasta de mim este cálice de vinho tinto de sangue. Chico também não evitou assuntos escabrosos, sangue, tortura, derrame, hemorragia... Houve um momento em que temi pela tua sorte e te falei, mas creio que o pior já passou.
Chico Buarque homem do povo Fla Flu, calça Lee, carradas de razão Mamão, Jacarandá, Surubim Macuco não, Pierrot e Arlequim Você é tanta coisa que nem cabe aqui Inovador, preservador, reencarnado, redivivo Mestre da língua Cabelos negros Olhos de gatão selvagem Dos grandes gatos do mato Olhos glaucos, luminosos Teu sorriso inesquecível Ó, Francisco, nosso querido amigo Tuas chuteiras caminham numa estrada de pó e esperança
Tom Jobim
New York, outubro de 1969
2) Uma das coisas mais emocionantes - corta: uma das coisas desse tipo, o Rio e o Sol e o Amor emocionam, mas não são coisas desse tipo - que vi nos últimos tempos foi Chico falando da amizade com Tom Jobim e desses quase quinze ou quinze anos de sua subida ali pro Cristo. Chico falava do amor de Tom pelo Jardim Botânico do Rio, como ele dominava os nomes de tudo ali, como era seu consultor para assuntos da fauna e da flora, entre outras coisas. Ai tem a história do macuco. Macuco, o bicho, que os jornais trocavam por macaco quando aparecia nas cartas e notas de Tom, que os censores mudavam nas peças, que ninguém sabe direito o que é. Macuco vira maluco ou macaco, diz Chico. E diz das bebidas, das conversas, das companhias, de tudo da amizade deles, e se vê no fundo dos olhos azuis que é de verdade aquela dita saudade do amigo do outro lado do telefone, do outro lado da rua, do outro lado da mesa, pra falar do tempo do Jardim, dos malucos e dos macacos.
3) Por ocasião disso, olha o que eu encontrei e que ajuda na sua pesquisa, dindinha: http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/censor.htm - Carlos Lucio Menezes, Ex-censor, concede entrevista ao site de chico buarque.