sexta-feira, 29 de julho de 2011

Balada de Gisberta e Isaac e todos eles e todas elas.

Esta carta, como o assassinato de Gisberta, ocorreram em 2006. Ninguém foi preso e Gisberta teve sua morte registrada como agressão seguida de afogamento.

Exm@s. Senhores/as:

Tomámos conhecimento que Gisberta, imigrante brasileira, transexual, seropositiva, toxicodependente, prostituta e sem-abrigo, foi encontrada morta a 22 de Fevereiro num edifício inacabado na cidade do Porto e que o crime foi confessado por um conjunto de 14 rapazes, entre os dez e os 16 anos, a maior parte deles provenientes de uma instituição de acolhimento de menores ligada à Igreja Católica.

Sabemos igualmente que a vítima mortal era frequentemente perseguida pelos rapazes, com insultos e agressões. Sabemos que segundo os relatos, a 19 de Fevereiro, um grupo destes rapazes entrou no edifício onde Gisberta pernoitava, amarrou-a, amordaçou-a e agrediu-a com extrema violência, a pontapé, com paus e pedras. Que o grupo igualmente terá introduzido paus no anús de Gisberta, que apresentava grandes escoriações nessa zona do corpo, a queimou com pontas de cigarro e abandonou-a no local. Que a 20 e 21 de Fevereiro, voltaram ao local e repetiram as agressões. Que na madrugada de 21 para 22 de Fevereiro, atiraram finalmente o corpo de Gisberta para um fosso, numa tentativa de ocultação do crime, e que a autópsia esclarecerá se então a vítima se encontrava ou não viva, embora o facto de o corpo não se encontrar a flutuar, mas sim submerso no fundo do poço, pareça indicar que esta faleceu por afogamento nesse momento.

Tudo indica que o caso foi amplamente divulgado pelos media portugueses nos dias 23 e 24 de Fevereiro, mas de forma errónea e tendenciosa. Enquanto parte da comunicação social nacional falava do assassinato de "um travesti", boa parte destes referiu apenas a condição de "sem-abrigo" ou de "sem-abrigo, prostituta, toxicodependente" de Gisberta, referida também por parte da imprensa como Gisberto, o seu nome legal. Em consonância com esta omissão, desde logo, antes mesmo de serem conhecidos quaisquer pormenores sobre o crime ou sobre a própria identidade e características pessoais da vítima, inúmeros jornais deram eco a artigos de comentadores conhecidos pela sua oposição aos direitos LGBT em Portugal, sustentando que o caso não podia ser classificado como um "crime de ódio" e que não seria legítimo considerar qualquer possível relação com a transexualidade de Gisberta entre as motivações para o assassinato, tendo sido argumentação utilizada nesse sentido foi invariavelmente a idade menor da maioria dos confessos agressores.

Sabemos também que, simultaneamente, foram e continuam a ser ignorados pelos media os comunicados emitidos pelas associações lgbt, esclarecendo a "transexualidade" e identidade da vítima e exigindo medidas legais e sociais de combate às discriminações e de protecção contra os crimes de ódio em função de identidade de género, orientação sexual, condição social, doença ou origem nacional, embora tenha sido superficialmente noticiada uma vigília de solidariedade com Gisberta apoiada pelas associações LGBT que teve lugar na noite de 24 de Fevereiro. Mas, mais uma vez, os media portugueses omitiram a argumentação das associações representadas no sentido de não se ocultar a transexualidade da vítima nem que a discriminação transfóbica pudesse estar entre as prováveis motivações para o crime.

É sabido também que, evitando falar em "crime de ódio" com o argumento da idade dos agressores, e com a excepção de poucos políticos que se expressaram individualmente, nenhum partido político português emitiu uma posição sobre o crime ou o condenou publicamente. Que, do governo português, a única reacção até ao momento veio do ministro responsável pelas instituições de menores que se limitou a declarar-se "chocado", embora instaurando um inquérito à instituição que acolhia os menores. Que estes, à excepção de um rapaz de 16 anos já responsabilizável criminalmente e que se encontra em prisão preventiva, foram devolvidos à instituição e se encontram em regime de semi-liberdade sem que seja conhecida qualquer outra medida destinada aos confessos agressores.

Estranhamos, tal como as associações LGBT portuguesas, que a maioria dos jornais não tenha publicado nenhuma fotografia da Gisberta, de forma a atribuir publicamente, pelo menos, um rosto humano à vítima. Estranhamos que os media portugueses e os seus comentadores tenham concentrado o "choque" pelo crime apenas na idade dos agressores, e não tanto no resultado da morte de uma cidadã. Que tenham dado eco a insinuações do padre responsável pela instituição de menores, que chegou a afirmar publicamente que um rapaz da instituição estaria a ser "molestado" por um pedófilo, o que seria uma "circunstância atenuante".

Estas declarações não levaram à publicação de qualquer declaração pública de indignação.

Estranhamos também que os dados revelados dia 24 sobre as sevícias sexuais sofridas pela vítima, bem como a possibilidade de esta se encontrar viva quando foi atirada ao fosso, apenas tenham sido publicados uma vez isolada por um jornal do Porto. Não compreendemos que, apenas quatro dias após ter sido denunciado o crime, haja um subito silêncio da quase generalidade dos media portugueses sobre este crime.

Perante um terrível assassinato que se configura como um muito provável crime de ódio, perante a omissão tendenciosa da componente sexual e transfóbica do mesmo, perante uma aparente tentativa mediática e política de desculpabilização do crime em si, de omissão da componente "ódio" na morte de uma pessoa que acumulava tantas exclusões sociais, perante tentativas de culpabilização da vítima e de "abafamento" público deste caso, vimos por esta via expressar:

-A nossa total solidariedade com a vítima e com @s activistas portugueses que se encontram a tentar esclarecer os factos, a honrar a memória de Gisberta e a exigir medidas de prevenção e combate às discriminações, sem excluir legislação de protecção contra os crimes transfóbicos, lesbofóbicos, homo ou bi-fóbicos.

-A nossa exigência de respeito pelas posições defendidas por parte d@s mesm@s activistas, e de efectivação das medidas que estes têm vindo a defender como urgentes;

-A nossa total incompreensão para com o comportamento dos responsáveis políticos e dos media portugueses na gestão deste caso, para com a deturpação dos factos ocorridos e a ausência de respostas adequadas à gravidade da situação descrita. Uma situação de desrespeito pelos direitos humanos mais elementares, que não podemos qualificar apenas de inadmissível num país da União Europeia em pleno século XXI.

Grupo Panteras Rosas

Ver isto:
http://psicogenero.blogspot.com/2011/04/transfobia.html
e isto:
http://www.youtube.com/watch?v=e4Kn6AgcfhY


Isaac Souza Matos foi morto no dia 11 de julho, nem faz um mês. O silêncio, no entanto, é como o silêncio de décadas. Ouvi de tudo até hoje, inclusive contra a prevenção da homofobia nas escolas. Só não ouvi uma resposta.


Ilmo. Sr. Governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner
Ilmo. Sr. Secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, Almiro Sena
Ilma. Sra. Delegada de Polícia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Andreia Ribeiro


Assunto: pedido de urgência nas investigações da morte de Isaac Souza Matos

A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), que integra e aqui também representa o Conselho Nacional LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), criado em março de 2011 pela presidenta Dilma Rousseff, solicita a agilidade e a elucidação dos crimes envolvendo vítimas LGBTs registrados no Estado da Bahia.

A ABEH foi criada em 2001 e congrega professores/as, alunos/as de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores/as, ativistas e demais interessados/as na diversidade sexual e de gênero.

No último dia 11 de julho, em Salvador, o estudante de Psicologia, Isaac Souza Matos, de 24 anos, foi encontrado morto dentro do apartamento onde morava com o seu companheiro, o psicólogo Gilmario Nogueira, que é um pesquisador das relações entre a cultura e a sexualidade na Universidade Federal da Bahia, junto ao Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade.
Isaac também pesquisava a sexualidade e era um ativista LGBT em Salvador. Organizava, junto com seu companheiro, uma atividade quinzenal para acolher pessoas que sofrem em função da sua orientação sexual e para discutir questões sobre o assunto através da exibição de filmes. As circunstâncias apontam que a motivação central do crime pode ter sido a homofobia.

Solicitamos que a Polícia Baiana investigue e solucione esse e os demais casos já registrados. A impunidade só dá impulso para que outras pessoas se sintam autorizadas a violentar e matar outras pessoas pelo fato delas serem lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros.

Leandro Colling
Presidente da ABEH e integrante do Conselho Nacional LGBT

Apagaram-se as luzes
É o futuro que parte...

Um comentário:

  1. É um pai que abraça seu filho e é agredido... Eu fico tão triste com essas notícias. Fico extremamente enojada. Em que mundo vivemos? Tão moderno e tão retrocesso! O preconceito faz cegar. E a família desses jovens? Como podemos frear a violência e o preconceito?
    É tão revoltante. É tão triste. É tão mesquinho... O preconceito é um sentimento tão pequeno diante do amor pelo próximo, diante do amor pela vida.

    :(

    bj

    ResponderExcluir