quarta-feira, 6 de julho de 2011

Espaço-lixo

O coelho é a nova carne de vaca… Porque detestamos o utilitário, condenámo-nos a uma imersão por toda a vida no arbitrário… LAX [Aeroporto de Los Angeles]: orquídeas de boas-vindas – possivelmente carnívoras – no balcão do check-in… A «identidade» é a nova comida lixo dos deserdados, o pasto da globalização para os privados de direitos… Se o lixo espacial são os resíduos humanos que conspurcam o universo, o espaço lixo é o resíduo que a Humanidade deixa sobre o planeta. O produto construído (voltaremos a este caso mais adiante) da modernização não é a arquitectura moderna, mas antes o espaço-lixo. O espaço-lixo é o que resta depois da modernização seguir o seu curso, ou mais concretamente o que se coagula enquanto a modernização está em marcha, o seu resíduo. A modernização tinha um programa racional: partilhar as bênçãos da ciência, universalmente. O espaço-lixo é a sua apoteose ou a sua fusão. Embora cada uma das suas partes seja o resultado de inventos brilhantes, lucidamente planeados pela inteligência e potenciados por computação infinita, a sua soma augura o fim do Iluminismo, a sua ressurreição como uma farsa, um purgatório desvalorizado… O espaço-lixo é a soma total do nosso êxito actual; construímos mais do que todas as gerações anteriores juntas, mas de certo modo não nos registamos nas mesmas escalas. Nós não deixamos pirâmides. De acordo com o novo Evangelho da fealdade, há já mais espaço-lixo em construção no século XXI do que o que sobreviveu no século XX… Foi um equívoco inventar a arquitectura moderna para o século XX. A arquitectura desapareceu no século XX; temos estado a ler uma nota de pé de página com um microscópio, na esperança que se transforme num romance; a nossa preocupação com as massas impediu-nos de ver a Arquitectura do Povo.

- Rem Koolhas
(excerto inicial do texto Espaço-lixo, traduzido por Luís Santiago Baptista para a Editorial Gustavo Gili – Rem Koolhas, Três textos sobre a cidade, 2010)

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